Bacharel em Têxtil e Moda e mestre em Ciências, na área de concentração têxtil e moda, pela Universidade de São Paulo (USP), a pesquisadora Rayana Santiago de Queiroz, do Laboratório de Têxteis Técnicos e Produtos de Proteção do IPT, deu início em 2018 ao seu doutorado na Universidade do Minho, em Portugal, sobre a aplicabilidade de fibras vegetais brasileiras na produção de materiais têxteis.
Com financiamento da Fundação de Apoio ao IPT (Fipt), a pesquisadora ficou no campus da universidade situado em Guimarães entre os meses de outubro de 2018 e julho de 2019.
Isso foi possível graças ao Programa de Desenvolvimento e Capacitação no Exterior (PDCE) do IPT, criado em 2008 com o intuito de enviar pesquisadores a ICTs e a universidades ao redor do mundo e contribuir com a formação profissional.
Rayana permaneceu durante quase nove meses em Portugal com o objetivo de cumprir as oito disciplinas básicas do programa de doutoramento em Engenharia Têxtil do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil (2C2T), que foi fundado em 1978 e faz parte da Escola de Engenharia da universidade. “Já havia começado a avaliação de três fibras no Brasil. Um dos objetivos principais da viagem era descobrir, a partir dos conhecimentos adquiridos na universidade sobre o beneficiamento de fibras naturais, qual delas teria um desempenho mais interessante a fim de direcionar o estudo”, explica ela.
Os primeiros três meses na universidade foram dedicados basicamente às atividades em sala de aula e, a partir de janeiro de 2019, a pesquisadora passou a dividir o seu tempo com as atividades laboratoriais. A linha de estudos seguida na Universidade do Minho, explica a pesquisadora do IPT, dedica grande espaço ao tema do conforto, que é o direcionamento dado em sua tese.
“A maior parte das disciplinas estava focada em novas tecnologias para materiais têxteis. Grande parte dos alunos é da área de design e a escola tem uma abordagem forte não somente da engenharia têxtil, mas também em desenvolvimento de produtos”, diz ela. “Em uma das disciplinas, por exemplo, eu tive que criar um produto associando materiais têxteis e eletrônica [tecidos inteligentes, ou smart textiles] e participei de um grupo que elaborou o projeto de um tapete para uso em entrada de edificações que esterilizava os calçados com radiação ultravioleta. Foram pelo menos três em oito disciplinas nas quais eu desenvolvi conceitos e produtos a partir de novas tecnologias”.
As atividades no laboratório envolveram principalmente os chamados tratamentos de algodonização (cottonization) para limpar as fibras de seus componentes mais duros.
Esta técnica de processamento é usada para melhorar a superfície e as características dimensionais e de toque de uma fibra, permitindo que ela fique compatível com o sistema de fiação do algodão ou possa até mesmo ser misturada ao algodão. “É um processo simples no qual são utilizados agentes químicos para refinar a superfície da fibra. Não é ainda comum em Brasil, mas é estudado desde a década de 1970 e mais usado para o linho e o cânhamo. Com a decadência do uso das fibras naturais, a técnica foi abandonada e hoje está sendo retomada – existe uma variedade de processos, sejam enzimáticos, químicos ou químicos associados com ultrassom”, diz ela.
Estas atividades foram importantes para definir a linha de pesquisa de Rayana porque, antes de chegar a Portugal, o objetivo era desenvolver no máximo um não tecido e não um processo mais complexo de criação de têxteis – o não tecido é uma estrutura mais simples, formada pela disposição aleatória de fibras e, ao contrário de outras estruturas têxteis, não requer o desenvolvimento prévio de um fio.
“Quando a produção da fibra tem como foco o vestuário, é preciso um fio e um tecido bem mais sofisticado do ponto de vista do toque, de todo o processo de fiação e de tecelagem ou de malharia. Esta perspectiva surgiu no decorrer da capacitação”, diz ela. “Quando conheci o professor António Pedro Garcia Valadares Souto, que hoje é meu coorientador, ele estava envolvido em um projeto com uma fibra nativa brasileira, o curauá, que é uma bromélia amazônica da mesma família do abacaxi vermelho – por coincidência, uma das fibras que eu estudava no Brasil e que levei algumas amostras para Portugal. Ele, junto com uma aluna de mestrado da universidade, estão criando fios e malhas para vestuário a partir deste material de toque rústico empregando a técnica da ‘algodonização’”.
O contato com esta linha de pesquisas abriu as portas para direcionar o seu trabalho aos tecidos para vestuário, e não às aplicações menos nobres usualmente destinadas à maioria das fibras naturais, como compósitos, reforços, filtros e mantas geotêxteis – “são utilizações de alto desempenho, mas sobre as quais a questão do conforto não é relevante”, ressalta Rayana. A ideia da pesquisadora agora é desenvolver um tecido com diferentes misturas (algodão ou lã, p.ex.) e avaliar o conforto térmico e sensorial, área a qual se dedica a sua orientadora, a professora Ana Cristina de Luz Broega.
A escolha da fibra ainda não foi feita por Rayana, mas o processo de extração será feito de qualquer forma no Brasil, mais precisamente no laboratório do IPT; em seguida, o material deverá ser enviado a Portugal para a fiação. “Fui buscar esta referência fora do Brasil porque não existem instituições para doutorado em engenharia têxtil aqui; além disso, eu não tinha o objetivo de desviar o estudo para outras áreas da engenharia. Queria ter acesso às referências mais técnicas e tecnológicas para a produção, o beneficiamento das fibras naturais e as técnicas de fiação e tecelagem”, explica ela.
O laboratório do IPT começou a sua história trabalhando praticamente apenas com fibras naturais na década de 1970, mas o processo global de decadência no uso de fibras naturais acabou por direcionar suas atividades para outras áreas. Rayana acredita, no entanto, que o cenário pode mudar e a demanda por essas fibras crescer não apenas por conta do crescimento demográfico, mas porque é cada vez mais comum o uso de têxteis em aplicações não visíveis cotidianamente.
“Não se pode esquecer ainda que o algodão, hoje responsável por cerca de 50% do consumo mundial em fibras, tem uma produção de alto impacto ambiental por conta do consumo de água, enquanto as fibras sintéticas têm um excelente desempenho, mas são fabricadas a partir de fontes não renováveis. Quero mostrar que é possível dar aplicações nobres às fibras naturais”, enfatiza Rayana.
CONGRESSOS E FEIRAS INTERNACIONAIS – Rayana aproveitou o período na Europa para conhecer as novidades do mercado têxtil e apresentar trabalhos em feiras e congressos. A primeira visita aconteceu logo no mês de janeiro a uma feira na Alemanha, a INNATEX – International trade fair for sustainable textiles, que é realizada duas vezes ao ano. “É uma feira dedicada a produtos acabados com fibras naturais, tanto às de origem animal (lãs e outras fibras de pêlo) quanto às vegetais. Muitas delas estão sendo resgatadas, como o cânhamo e a urtiga, que foi muito usada durante a Segunda Guerra Mundial em razão da crise do algodão.
Rayana apresentou no ICNF estudo em que comparou o desempenho de folhas de abacaxi vermelho com o curauá, após o tingimento, para aplicação têxtil
O mercado para fibras alternativas está em ascensão, principalmente na Europa”, afirma ela.
Dois trabalhos foram apresentados em eventos realizados em Portugal: o primeiro foi no mês de junho, em Lisboa, no D_Tex – 2nd International Textile Design Conference, que é um congresso de têxteis mais voltado ao design, no qual Rayana apresentou parte de seu trabalho sobre plantas fibrosas do Brasil; o segundo foi em julho, o ICNF 2019 – 4th International Conference on Natural Fibers, na cidade do Porto, em que comparou o desempenho de folhas de abacaxi vermelho com o curauá, após o tingimento, para aplicação têxtil.