Segurança no mar

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Água. Quem assistiu ao filme As Aventuras de Pi (2012) – com o devido espaço que a ficção permite à imaginação – deve se lembrar que o protagonista, um náufrago que inesperadamente acaba perdido com um tigre num bote em alto mar, sofre com a sede, ainda que esteja cercado de água. Isso porque ele perde todo o estoque da chamada ração líquida de seu kit de salvamento – a água potável armazenada para a sobrevivência em situações extremamente adversas, como a de um náufrago no mar.

Pouca gente sabe que a embalagem para armazenar esse tipo de água deve passar por uma série de ensaios rigorosos, definidos pela International Convention for the Safety of Life at Sea (Solas) e adaptados para o contexto nacional pela Marinha do Brasil, em sua Norman 05 – Normas da Autoridade Marítima para Homologação de Material. E o Laboratório de Embalagens e Acondicionamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) é responsável pela realização dos ensaios que garantem, em diferentes condições de armazenamento, a manutenção do conteúdo das embalagens de modo íntegro e seguro.

As amostras enviadas ao laboratório consistem em um saco plástico de alta resistência, mas flexível, em que são armazenados 50 ml de água (essas embalagens também podem ser de metal, como no filme). Os primeiros testes realizados são os de temperatura de armazenamento, em que duas embalagens cheias com ar e duas cheias com água, ambas seladas, são submetidas por 24 horas a uma temperatura de -30°C e, em seguida, a 65°C por mais 24 horas.

“O objetivo do teste é verificar se as embalagens sofrem danos com a variação de temperatura, que pode ser extrema dependendo de onde a embarcação estiver. É importante ainda que o próprio choque térmico não danifique o plástico”, explica Marcelo Horvath, técnico do laboratório.

As duas embalagens cheias com ar utilizadas no ensaio anterior passam então por um teste de estanqueidade, em que são imersas em água e pressionadas para checar se realmente não ocorreram danos no material pela exposição às diversas temperaturas. As embalagens com água passam por um teste de imersão em água salgada para avaliar a eventual ocorrência de danos às marcações e aos fechamentos – o objetivo aqui é prever possíveis contaminações da água potável.

Na maioria das vezes, os kits salva-vidas estão armazenados em balsas e botes, normalmente lançados de altitudes consideráveis em situações de emergência. “Por isso, as amostras com água passam por um teste de queda, em que são lançadas de altura de três metros, tanto com o fundo voltado para a superfície de concreto, como quanto com a lateral”, continua Horvath.

As embalagens são ainda submetidas a outros três ensaios. Os primeiros são os testes de envelhecimento, em que o filme plástico da embalagem flexível passa, alternadamente, durante 14 dias, por dois ciclos: oito horas em câmara úmida, com temperatura de cerca de 38°C e umidade relativa de 90 a 95%; e 16 horas em forno com circulação de ar e temperatura de cerca de 71°C. Nesse período, o plástico deve ser dobrado, pendurado, manuseado e deixado em superfície plana, não devendo apresentar esgarçamentos consideráveis.

“O teste é mais longo e simula as condições de armazenamento das amostras, possibilitando garantir que elas permanecerão íntegras mesmo após um determinado período de tempo”, explica o técnico. “Já no teste seguinte, de selagem da embalagem, em que a amostra é presa a um dispositivo de 1,6 kg por cinco minutos, o objetivo é assegurar que ela não se abra mediante à aplicação de uma força”.

O último teste é o de tombamento, em que as amostras com água são colocadas em uma espécie de caixa de madeira giratória, prevendo possíveis impactos mecânicos durante o armazenamento. Segundo Wanderley Menezes, perito naval designado pela Marinha para acompanhar os ensaios de queda e tombamento, os testes são essenciais para garantir a sobrevivência de náufragos por até seis dias no mar. “Botes salva-vidas, balsas e baleeiras, geralmente com capacidade de 15 a 25 pessoas, são equipados com esse tipo de produto em quantidade suficiente para salvar vidas. É importante que ele seja adequado às normas internacionais de segurança para, numa situação crítica, cumprir a sua função”, afirma.

RAÇÃO SÓLIDA – Nem só de água precisa um náufrago. A Norman 05 também define parâmetros de desempenho para equipamentos como colete salva-vidas, boias e sinalizadores, além de equipamentos de combate e prevenção de incêndios e embalagens para transporte de produtos perigosos.

Os kits salva-vidas também contêm ração sólida armazenada, alimentos constituídos por carboidratos, gorduras e proteínas em quantidades pré-definidas em unidades de cerca de 500 gramas. Segundo a norma, elas podem ser consumidas por um período de até seis dias e devem proporcionar a sobrevivência do náufrago em condições metabólicas e energéticas favoráveis.

A ração pode ser apresentada sob a forma de goma, biscoitos, caramelos, balas ou similares, e dispensa hidratação ou aquecimento para ser ingerida. No entanto, também devem passar por testes que garantam sua segurança e integridade em alto mar. Alguns são semelhantes aos da embalagem de ração líquida, como os de impacto, queda e tombamento, mas as amostras de ração sólida devem ainda passar obrigatoriamente por ensaios de chuva, para comprovar que o invólucro seja resistente à água.

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