Geografia de riscos

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Para uma maior compreensão dos processos geológico-geotécnicos que causam danos econômicos e ambientais, sem esquecer a perda de vidas humanas, e apresentar um novo método de avaliação da suscetibilidade de bacias hidrográficas que possa ser usado por prefeituras e defesas civis, a aluna do programa de pós-graduação de Geografia Física da USP, Vivian Cristina Dias, está estudando a dinâmica das corridas de detritos com orientação da professora Bianca Carvalho Vieira e coorientação de Marcelo Fischer Gramani, pesquisador da Seção de Investigações, Riscos e Desastres Naturais do IPT, dentro do Programa Novos Talentos do Instituto.

As corridas de detritos são um tipo de movimento de massa de caráter essencialmente hidrodinâmico que se destacam devido ao alto potencial de transporte de materiais, sua velocidade e seu raio de alcance.
Registro de depósito sedimentar, de corrida de detritos, observado na margem direita do córrego do Pau D´Alho
Registro de depósito sedimentar, de corrida de detritos, observado na margem direita do córrego do Pau D´Alho
Elas ocorrem em áreas com presença de relevos escarpados, de fonte abundante de materiais para transporte e de água proveniente de chuvas fortes, do rompimento de barragens naturais ou até mesmo do degelo – no caso do Brasil, as corridas acontecem geralmente devido ao aporte de materiais provenientes de escorregamentos em canais de drenagem saturados.

“Apesar dos danos causados pelas corridas no País, as pesquisas que abordam estes processos são escassas, sobretudo com o objetivo de avaliar a suscetibilidade das bacias hidrográficas à sua ocorrência”, explica Vivian. “As corridas de detritos possuem características específicas, sendo fundamental a análise das características da bacia como um todo. São importantes os estudos que buscam entender de maneira mais aprofundada essas condicionantes tanto pela magnitude e poder destrutivo quanto pela recorrência do processo”, completa ela.

Gramani lembra que, enquanto as metodologias para o mapeamento de áreas de risco a escorregamentos e a inundações foram criadas na década de 1950, os estudos sobre corridas de detritos foram deixados de lado. Esse quadro, no entanto, parece estar em mudança. “Houve um crescimento de interesse nos últimos anos pela parte de corridas; isso aconteceu por conta de uma série de casos na Serra do Mar na década de 1990 e que se repetem até hoje em outras áreas, provocando muitas mortes”, explica ele. “Os cidadãos – e até mesmo parte dos especialistas – não conhecem corridas: elas veem na televisão informes de escorregamentos, que acontecem em encostas e nos morros, e fazem uma associação com as corridas”.

Segundo o pesquisador, os processos são completamente diferentes, a começar pelo raio de alcance: os escorregamentos, por exemplo, têm normalmente um deslocamento do material que fica próximo à área de origem, ao contrário das corridas. “O desastre que afetou a Refinaria Presidente Bernardes em 1994 alcançou dois quilômetros de extensão e soterrou as instalações com terra, pedras e árvores, enquanto na Região Serrana do Rio algumas corridas atingiram cinco quilômetros em 2011”, exemplifica ele.

QUATRO BACIAS – O projeto de Vivian está focado na avaliação e na definição de índices de suscetibilidade a corridas de detritos na cidade de Caraguatatuba (SP). Por conta de suas características geológicas, geomorfológicas e climáticas, o desencadeamento de movimentos de massa é frequente na região da Serra do Mar, onde está localizado o município: as ocorrências estão, em sua maioria, concentradas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.



Para o projeto, a geógrafa selecionou quatro bacias hidrográficas com registro de corridas de detritos de diferentes magnitudes, considerando inicialmente a tipologia dos depósitos e o diâmetro dos blocos: Pau d’Alho, Ribeirão da Aldeia, Guaxinduba e Santo Antônio, que foram fortemente atingidas nos eventos de 1967 – as duas primeiras, por exemplo, não possuem acesso livre e estão situadas no interior da fazenda Serramar, o que contribuiu para a manutenção e a identificação dos depósitos na área, ao contrário das outras duas bacias.

Em outras áreas, no entanto, o fato de o incidente ter ocorrido em 1967 torna a coleta de dados um desafio: “Para a identificação dos detritos, é necessário avaliar os depósitos e é complicado encontrá-los com as características de uma corrida perfeita”, explica ela. Na busca por informações confiáveis, Vivian lançou mão principalmente dos dados contidos na tese de doutorado defendida por Olga Cruz no Instituto de Geografia da USP em 1974, intitulada ‘A Serra do Mar e o litoral na área de Caraguatatuba: contribuição à geomorfologia litorânea tropical’, em publicações em mídia da época e em fotos disponíveis no Arquivo Público do Município de Caraguatatuba (APMC).

Vivian definiu em seguida a magnitude da corrida por meio do mapeamento dos depósitos e identificação do seu raio de alcance e tamanho dos blocos. A próxima etapa consistiu na análise de parâmetros morfométricos (forma) e morfológicos (estrutura) das bacias hidrográficas, que incluem características como densidade de drenagem, índice de circularidade, relação de relevo, índice de rugosidade e ângulo, os quais forneceram dados a respeito da altimetria (nivelamento) da bacia, seu formato e capacidade de escoamento, revelando as características específicas de cada uma das quatro bacias e de como os processos ocorrem em seu interior. “Extraí os parâmetros das quatro bacias no ArcGIS, que é um dos softwares para Sistemas de Informações Geográficas (SIG) mais usados no mundo a fim de avaliar a magnitude das corridas”, explica Vivian.

Vivian acredita que, por meio da identificação e caracterização de tais parâmetros, será possível estabelecer os índices de suscetibilidade à ocorrência de corridas de detritos em bacias hidrográficas: “Esta pesquisa poderá contribuir para o melhor entendimento da dinâmica das corridas de detritos na Serra do Mar, sobretudo pela definição da suscetibilidade das bacias densamente ocupadas no município”, afirma ela. E também poderá colaborar para sensibilizar a população sobre os riscos da ocupação de áreas propensas a desastres: “Em Caraguatatuba é comum encontrar grandes depósitos de corridas de detritos na forma de blocos que são usados pelos moradores como material para a construção da moradia, no caso de muros, ou servem como objeto paisagístico”.

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