Tecnologia inovadora gerou depósito de duas patentes no conceito de mineração urbana
Uma parceria iniciada em maio de 2018 entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Tramppo, empresa especializada na destinação ambientalmente correta de lâmpadas, teve como resultados a criação de uma nova rota tecnológica focada no processo de desmantelamento e de separação física de materiais recicláveis presentes em lâmpada tubulares e bulbo, combinado a equipamentos de corte de terminais.
A tecnologia inovadora já rendeu o depósito de duas patentes entre os parceiros. O projeto surgiu da necessidade da Tramppo de encontrar uma forma de atender às mudanças em um mercado no qual as lâmpadas fluorescentes estão cada vez mais sendo substituídas pelas de LED, e cada qual tem uma destinação diferente no meio ambiente. Para se ter uma ideia dos números, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), o Brasil importou 20 milhões de unidades de lâmpadas LED em 2014, e, em 2024, 338 milhões de unidades.

A lâmpada LED ganhou destaque nas últimas décadas por ser uma tecnologia de iluminação com maior eficiência energética e maior vida útil em comparação às lâmpadas convencionais incandescentes e fluorescentes. A tecnologia LED é completamente distinta das lâmpadas convencionais e tem diversos pontos em comuns com um produto eletrônico, uma vez que, de maneira geral, é constituída por placa de circuito impresso (PCI), capacitores, resistores e dissipador de calor, além da matriz de LED. Em virtude disso, a sua reciclagem exige um processo específico, distinto daqueles utilizados em lâmpadas convencionais.
“Diferentemente das fluorescentes, compostas basicamente por vidro, ponteiras metálicas, pó fosfórico e mercúrio, as lâmpadas de LED são feitas com uma infinidade de materiais, que vão de plástico a metais, e em diferentes formatos”, explica Sandra Lúcia de Moraes, pesquisadora e diretora da Unidade Materiais Avançados do IPT. “No entanto, ambas são classificadas como resíduos de classe 1, perigosos, que não podem ser depositados em aterros por conta das substâncias tóxicas que liberam o mercúrio no caso das fluorescentes, e o chumbo e os fenóis nas de LED”.
A demanda da sociedade moderna por inovações tecnológicas tem impulsionado o consumo de diversos metais como cobre, lítio, cobalto, níquel e elementos terras raras, além dos tradicionais ferro e alumínio. Estes metais são majoritariamente obtidos a partir de fontes primárias, ou seja, jazidas minerais; no entanto, o baixo conteúdo destes metais nas atuais jazidas pode dificultar o suprimento das indústrias de transformação, além de gerar quantidades expressivas de rejeitos de mineração.
Do outro lado, a crescente produção de equipamentos elétricos e eletrônicos tem gerado quantidades significativas de resíduos. A reciclagem ainda é insuficiente, especialmente em países em desenvolvimento, que destinam a maior parte dos resíduos a aterros industriais.
“O desenvolvimento da chamada economia circular, tendo em vista os objetivos de desenvolvimento sustentável, tem impulsionado a pesquisa para obtenção destes metais a partir de fontes secundárias como resíduos industriais”, explica Moraes. E as lâmpadas LED podem ajudar a construir este novo cenário com o reaproveitamento de seus componentes após o descarte.
PRIMEIRA FASE DO PROJETO – Quando a empresa Tramppo procurou o IPT, os seus métodos de separação não eram adequados para a reciclagem das lâmpadas LED. Além disso, era necessário entender a composição das lâmpadas, seu impacto ambiental e a quais mercados seus componentes poderiam atender para serem reciclados.
Os pesquisadores do IPT foram em busca de equipamentos para a separação dos componentes das lâmpadas. Atualomente, empresa Tramppo recebe como descarte diferentes tipos de lâmpadas de LED, das quais as do tipo bulbo e tubulares representam a grande maioria. As lâmpadas tipo bulbo foram o objeto deste primeiro estudo para a definição da rota de processamento de separação de componentes.
O desenvolvimento da rota de reciclagem teve início com a operação de desmantelamento das lâmpadas, visando a liberação de seus componentes para que eles pudessem ser separados fisicamente, gerando produtos adequados para serem utilizados como matérias-primas de outras indústrias ou produtos concentrados para operações de metalurgia extrativa.
“A seleção do método de desmantelamento que maximize a liberação dos componentes das lâmpadas de LED é um desafio, pois estes materiais possuem características distintas de resistência ao desmantelamento”, explica o pesquisador Francisco Pedrosa, do Laboratório de Processos Metalúrgicos do IPT.
O estudo teve como objetivo investigar os mecanismos de desmantelamento das lâmpadas, visando a liberação de seus componentes e considerando os processos de separação física subsequentes. Foram pesquisados os mecanismos de compressão, impacto e abrasão promovidos por diversos equipamentos de britagem, moagem e de mistura de minérios. Os resultados mais promissores indicaram que o impacto e a abrasão promovidos por moinho autógeno tinham potencial para a aplicação no desmantelamento de lâmpadas de LED do tipo bulbo.
Foi desenvolvido então um projeto conceitual de um equipamento de separação, com financiamento da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) – Sebrae, o que deu origem ao primeiro depósito de patente feito no final de 2019.
SEGUNDA FASE DO PROJETO – Com a finalização da pesquisa, a próxima etapa foi iniciar a compra e a construção dos equipamentos para realizar o processamento dos materiais, em um projeto piloto, com o objetivo de validar, ajustar e consolidar todo o conhecimento obtido. Para desenvolver esta fase, a empresa necessitava de apoio e recursos.
O projeto recebeu então financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio do Programa PIPE II – Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, para testes e análises em laboratórios e construção dos equipamentos protótipos. Os pesquisadores e técnicos do IPT, em parceria com a equipe da Tramppo, desenvolveram o desenho conceitual da rota e, durante a construção do protótipo, foram feitas proposições de melhorias no processo – por exemplo, o estudo anterior havia se concentrado em lâmpadas do tipo bulbo e foram então adicionadas as lâmpadas tubulares na fase de desmantelamento.
E quais seriam as diferenças entre os dois tipos de lâmpadas? A mais evidente delas é o formato: a lâmpada bulbo tem a forma de uma pera, já a tubular, como o próprio nome diz, é cilíndrica. Além disso os elementos que compõem ambas são relativamente distintos. A lâmpada do tipo bulbo é composta basicamente por cinco elementos: a base de metal com rosca padrão, o corpo de alumínio envolvido por resina e revestido por uma capa de plástico, a placa de circuito eletrônico, a matriz de LED e o difusor de luz, que geralmente é de plástico.
Já a tubular é formada essencialmente por pinos metálicos que fixam a lâmpada no bocal da rede elétrica, dois terminais de plástico – um deles contém a placa de circuito eletrônico – a fita de LED e o corpo difusor de luz, geralmente feito de vidro.
“A primeira patente foi focada na lâmpada tipo bulbo pera. É um conceito de moagem autógena, que é um processo de redução de tamanho de minério que usa o próprio minério como corpo moedor. Ocorre uma separação dos componentes por tamanho e uma parte intermediária segue para separação magnética, o que permite isolar o plástico dos componentes eletrônicos”, explica Pedrosa. Durante os testes realizados na segunda fase, observou-se que algumas modificações permitiriam, tanto no caso da lâmpada bulbo como da tubular, atingir uma maior eficiência na separação.
“É bom lembrar que um dos pré-requisitos acordado com o IPT, no início do projeto, foi que o material gerado no processo deveria estar em condições de ser destinado como matéria-prima para outras cadeias industriais. Assim, logo na concepção do projeto, foram descartados processos de moagem em pequenas frações seguidos de tratamento químico”, explica Carlos Alberto Pachelli, diretor da Tramppo.
A fim de garantir a produtividade e a eficácia da separação dos materiais no moinho autógeno, seria necessário introduzir uma fase de pré-desmantelamento das lâmpadas, antes das etapas de moagem autógena e de separação física. Para atingir este objetivo, foram idealizados dois equipamentos para realizar a separação dos terminais dos corpos das lâmpadas: o primeiro é uma máquina contínua de corte dos terminais dos modelos tubulares, e o segundo é uma máquina de corte dos terminais dos modelos bulbo, projetados para operarem de maneira paralela. Somente os terminais que contêm eletrônicos são encaminhados para o moinho para serem desmantelados no protótipo desenhado na primeira patente.

“Não existem estas máquinas de corte e moinhos autógenos específicos para o processamento de lâmpadas de LED no mundo; os equipamentos foram construídos sob medida, porque a tecnologia de desmantelamento disponível em outros países não era adequada ao Brasil. Todo o conhecimento hoje, principalmente na Europa, não se aplica à realidade brasileira por conta da diferença de mercado de materiais recicláveis e do investimento que seria preciso fazer em tecnologia, em razão de não estarmos com o mercado preparado para isso”, explica Moraes.
Em geral, continua a pesquisadora, em outros países a operação é feita com um shredder (triturador), mas neste tipo de operação o resultado final é que os componentes acabam ficando bastante misturados, formando uma verdadeira ‘sopa de materiais’, o que torna mais difícil a separação e mais caro o processo. “Chegamos a fazer alguns ensaios com o shredder, mas não foi considerado viável e sustentável”, completa ela.
Finalizado o estudo, o processo de descaracterização e separação dos materiais das lâmpadas de LED ficou estruturado em três fases distintas: classificação, desmantelamento e separação. Na primeira etapa, as lâmpadas são classificadas por tipo, formato e tamanho; na segunda, são realizados o desmantelamento e a separação dos terminais de plástico do corpo da lâmpada, a quebra do vidro e a retirada das fitas de LED, e na terceira e última etapa os terminais de plástico contendo eletrônicos passam pela moagem autógena para a liberação destes materiais, que são separados nas etapas subsequentes de separação física em peneira vibratória e separadores magnéticos.
“O desenvolvimento do protótipo foi em conjunto, entre o IPT e a Tramppo, no conceito da mineração urbana. Neste projeto nós estudamos um método de desmontagem da lâmpada para que os componentes ficassem liberados uns dos outros e depois estudamos como fazer a separação pelas propriedades, como tamanho, magnetismo e densidade”, resume Moraes.
PRÓXIMOS PASSOS – Durante o projeto, os pesquisadores e a empresa manifestaram interesse em conhecer os materiais mais utilizados no sistema das lâmpadas para criar estratégias de reciclagem de todos os componentes.
Um estudo realizado no Laboratório de Processos Metalúrgicos do IPT teve como objetivo caracterizar quimicamente a maioria dos componentes de lâmpadas LED, do tipo bulbo, por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) acoplada à espectroscopia de energia dispersiva (EDS) e à espectrometria de massas com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS), além de fluorescência de raios X (FRX) e espectroscopia Raman.
Os resultados apontaram a presença de minerais preciosos (ouro) e estratégicos como o cério e o itérbio (terras raras), gálio e índio, que são utilizados em componentes semicondutores, assim como o cobre, cuja demanda deve crescer de maneira acentuada nos próximos anos devido às iniciativas de eletrificação dentro do contexto da transição energética.
O teor de cobre presente em uma lâmpada de LED é de aproximadamente 2%, valor que é comparável ao encontrado em jazidas minerais de alto teor. “Neste caso, no entanto, na maioria das vezes, o cobre está contido em minerais de granulação fina em rochas duras e abrasivas, o que leva a necessidade de uma moagem intensiva”, explica o pesquisador do IPT.
O resultado é o consumo de uma grande quantidade de energia e a geração de um elevado volume de rejeitos de difícil aproveitamento em função de suas características técnicas e/ou desafios logísticos, completa ele.
Além dos metais supracitados, também foi determinada a presença de sódio, magnésio, alumínio, ferro, níquel e zinco.
A reciclagem dos metais presentes em lâmpadas LED poderá promover a reintegração em diversas cadeias produtivas e, por conta disso, as fitas de LED e as placas de circuito eletrônico estão sendo armazenadas pela Tramppo para um futuro projeto de metalurgia extrativa. Parte dos demais materiais, como plástico, vidro e sucatas ferrosas e de alumínio, poderá ser destinada a industrias específicas.