Projeto multidisciplinar do IPT avalia quatro rotas consideradas como promissoras para a produção de hidrogênio
Pesquisadores e técnicos de cinco laboratórios e núcleos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) estão envolvidos em um projeto multidisciplinar para avaliar quatro rotas consideradas como promissoras para a produção do hidrogênio de baixo carbono. Os estudos tiveram início em maio de 2022 e, alinhados ao objetivo dos projetos de capacitação, que é o de fomentar a inovação visando agregar valor aos negócios das unidades do IPT, desenvolver e aprimorar as competências técnicas do Instituto referentes ao tema do hidrogênio, aliado também ao desenvolvimento de parcerias com a academia e empresas, como vetor de novos modelos de negócio.
Quatro rotas consideradas como promissoras para a produção de hidrogênio, baseadas em processos de diferentes naturezas tecnológicas foram selecionadas para o projeto. A primeira delas é a rota biotecnológica que visa a obtenção de hidrogênio a partir da fermentação da vinhaça, que corresponde a um dos principais subprodutos da produção de etanol. A segunda rota é a desginada “RSU- resíduos sólidos urbanos” que se baseia na geração de hidrogênio pela reação de reforma à seco do biogás produzido a partir da fração orgânica de resíduos sólidos urbanos (FORSU), utilizando a planta de biodigestão localizada no município de Bertioga (SP), que foi criada no âmbito do projeto IPT RSU Energia – ‘Um Programa IPT de Apoio às Prefeituras nas Decisões Relativas a Resíduos Sólidos Urbanos’.
A terceira rota estudada é a termosolar, que se propõe ao estudo da geração de hidrogênio por ciclos termoquímicos utilizando a energia solar como fonte de calor e substâncias carreadoras de energia, como óxidos metálicos, que permitem estagiar a reação dissociação da molécula de água em menores temperaturas. A quarta e última rota estudada é a eletrolítica, que consiste na obtenção de hidrogênio a partir da eletrólise da água utilizando a energia elétrica proveniente de plantas fotovoltaicas, sendo esta a de maior prontidão tecnológica.
RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS – “O processo de produção de hidrogênio a partir dos resíduos sólidos urbanos tem potencial para endereçar os problemas de aterros e lixões, pois parte dos gases do efeito estufa produzidos são diretamente emitidos na atmosfera, como o metano (CH4) e o dióxido de carbono (CO2), e podem ser convertidos em fontes nobres e diretas de energia. São várias as rotas pesquisadas hoje no Brasil e cada uma pode beneficiar diferentes setores da indústria e da sociedade, mas esta é uma rota importante visto que ataca um problema (aterros e resíduos urbanos) e uma solução (hidrogênio e biocombustíveis) de maneira sinérgica”, afirma o diretor da Unidade Energia do IPT, João Carlos Sávio Cordeiro.
Os resíduos sólidos urbanos na planta de Bertioga, após passarem por processo de separação mecânica e separação das frações orgânica e para reciclagem, seguem para a etapa de utilização de equipamentos de biodigestão para aproveitamento da carga orgânica e geração de energia na foram de biogás. Na sequência, para a realização de testes de avaliação em equipamentos de conversão de biogás em hidrogênio e gás de síntese foram feitos testes do reator catalítico em escala laboratorial em campo, explica Cordeiro: “Os testes estão sendo feitos em escala laboratorial contínua em ambiente produtivo, já não são de bancada, mas são capazes de produzir pequenas quantidades de hidrogênio para validar processos e obter dados para scale up”.
A tecnologia de biodigestão da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos geralmente é empregada em plantas de tratamento mecânico-biológico. Na planta de Bertioga, o material é submetido a processos manuais e mecanizados de triagem para recuperação de materiais recicláveis e tratamento da fração orgânica dos resíduos. A fração orgânica é direcionada a processos biológicos de tratamento para conversão de parte da matéria orgânica com base nas reações de biodigestão anaeróbia. Atualmente, há dois túneis em funcionamento na planta para os testes de reforma do biogás, com potencial de expansão para quatro túneis.
Para a avaliação do gás gerado, o Laboratório de Bioenergia e Eficiência Energética possui uma unidade laboratorial móvel que tem vários equipamentos destinados a este fim. A equipe técnica se desloca até Bertioga com essa unidade levando analisadores de gás, instrumentação e um reator catalítico móvel, que foi projetado e montado pela equipe do laboratório, que é utilizado para o processo designado reforma a seco do biogás, capaz de converter o biogás em uma mistura com alto teor de H2. Todo o processo é monitorado online com um sistema de análise do gás em linha para avaliar tanto a qualidade do biogás quanto do produto gerado.
ROTA BIOTECNOLÓGICA – A rota do hidrogênio de baixo carbono é utilizada para descrever a produção de hidrogênio mais sustentável, utilizando diferentes fontes de matérias-primas renováveis como biomassa, biogás, etanol e resíduos da agroindústria. Nessa direção, o Laboratório de Biotecnologia Industrial está desenvolvendo a produção biotecnológica de hidrogênio (BioH2) a partir da vinhaça da cana-de-açúcar, por processo fermentativo, com a ação de bactérias anaeróbias que transformam matéria orgânica em gás hidrogênio, com menor consumo de energia e menor impacto ambiental. A vinhaça é o principal efluente da produção de etanol, gerada a uma proporção de 10 a 13 L para cada litro de etanol produzido. Este efluente tem uma alta carga poluente e sua destinação é uma preocupação do setor alcooleiro.
“O principal desafio do projeto é melhorar o rendimento e a produtividade do processo de produção de hidrogênio usando uma matéria-prima renovável”, afirma o pesquisador Alfredo Eduardo Maiorano. “Deste modo, esse projeto está em consonância com projetos estratégicos para a transição energética rumo a economia de baixo carbono e, também, com a estratégia de economia circular por transformar um efluente em produto com valor agregado e também diminuir a pegada de carbono da indústria alcooleira, trazendo benefícios sociais e preservação ambiental”.
REATORES PARA O PROJETO – A infraestrutura para a realização dos estudos é bastante diversa, por conta das rotas e dos laboratórios que fazem parte do projeto. Grande parte dos equipamentos já está no IPT, mas também está sendo utilizada uma verba da Fundação de Apoio ao IPT (FIPT) para aquisição de componentes, equipamentos e serviços para o projeto: por exemplo, foi projetado e construído um reator catalítico para a reação de reforma pela equipe do Laboratório de Bioenergia e Eficiência Energética, e um reator bioquímico pela equipe do Laboratório de Biotecnologia Industrial. Uma licença acadêmica do software ASPEN, para avaliação técnico econômica, será adquirida em breve utilizando a rota RSU como exemplo.
O hidrogênio que está sendo produzido ainda não está em escala contínua de produção, explica o diretor do IPT: estão sendo avaliados os elementos da tecnologia, como catalisadores e a eficiência do processo de geração do gás de síntese e do hidrogênio, bem como os critérios operacionais que garantem maior eficiência operacional na produção de biogás.
“O desenvolvimento do tema hidrogênio no Instituto está alinhado à tendência mundial de busca por soluções sustentáveis para geração de energia e, neste cenário, o hidrogênio tem se mostrado como um elemento chave, com um papel valioso e abrangente a desempenhar na transição energética de vários segmentos, como indústria e transportes”, afirma Cordeiro. “Vale ressaltar que o interesse no potencial do hidrogênio de baixo carbono no setor industrial e de mobilidade não é novo, e o que temos atualmente é uma amplitude de possibilidades de seu uso bem como o entusiasmo político sobre o tema”.
Atualmente o hidrogênio é mais aplicado em etapas de refino do petróleo e na produção de amônia para fertilizantes. Acredita-se que há grande potencial para expansão de outras aplicações tais como sua utilização como agente redutor em processos siderúrgicos e da indústria de vidros, uso como combustível em diversos ramos da indústria (cimento, vidro, mineração, etc.), produção de combustíveis sintéticos (SAF – Combustível Sustentável de Aviação, combustíveis marítimos, diesel verde, bio-GLP, DME entre outros) e alimentação de células a combustível em veículos elétricos.
Há ainda o consumo do hidrogênio em menores proporções como na hidrogenação de gorduras na indústria de alimentos e na refrigeração criogênica de sistemas específicos (equipamentos médicos, aeronaves e equipamentos aeroespaciais). O hidrogênio também pode ser produzido associado a estratégias de descarbonização como o CCUS, sigla que significa Captura, Armazenagem e Utilização do Carbono, considerada uma abordagem fundamental para alcançar as metas climáticas.