Com financiamento da Fundação de Apoio ao IPT (Fipt), o treinamento de Priscila na Austrália foi realizado em razão das demandas do laboratório relacionadas à análise de transformações no uso e ocupação do solo – sejam elas em áreas urbanas ou em áreas protegidas, como unidades de conservação ambiental e bacias hidrográficas.
Treinamento da pesquisadora aconteceu entre setembro de 2017 e maio de 2018 no International Centre for Balanced Land Use (ICBLU), localizado na University of Newcastle, na Austrália
A maior parte dos trabalhos do laboratório, afirma ela, estava então pautada em mapas estáticos e diagnósticos, mas existe a necessidade de avançar no conhecimento de ferramentas de simulação de cenários futuros de expansão urbana, crescimento agrícola e/ou desmatamento – ou seja, diversos tipos de mudança de uso do solo que trazem impacto direto nos recursos naturais e hídricos (superficiais e subterrâneos) e, consequentemente, na qualidade de vida da população.
“Mapas estáticos de uso do solo urbano e rural não atendem mais hoje às necessidades dos clientes. É fundamental que se permitam simulações em ambiente computacional”, explica ela. Entre as linhas desenvolvidas no ICBLU, o tema ‘Cenários Futuros de Uso da Terra’ foi definido como foco principal do treinamento de Priscila por conta da expertise do centro australiano em desenvolver projetos para explorar e responder transições complexas, bem como inspirar práticas inovadoras de uso da terra que melhor equilibrem as preocupações sociais, econômicas e ambientais.
“Esses cenários são projetados para testar possíveis impactos ambientais, auxiliar na formulação de políticas e tomada de decisões, promover conscientização das partes interessadas, desenvolver pesquisas inovadoras e também entender as mudanças nos ecossistemas e os serviços por eles prestados”, explica ela. “É um instrumento para o planejamento territorial em diferentes escalas e uma capacitação a ser desenvolvida no IPT, sem contar que o tema está associado ao meu projeto de doutorado sobre serviços ambientais hídricos”.
FERRAMENTAS – As diversas atividades de Priscila durante o treinamento, que ocorreram de maneira simultânea no ICBLU, podem ser agrupadas em três grupos: prospecção de ferramentas de geotecnologia desenvolvidas por universidades ou instituições governamentais da Austrália para análise do uso do solo e elaboração de cenários; participação em projetos e propostas do centro e realização de treinamentos/participação de eventos.
Para a capacitação no uso das ferramentas, contatos foram feitos com uma série de grupos de pesquisa que estudam a aplicação de técnicas de construção de cenários; um deles foi o Australian Urban Research Infrastructure Network (Aurin), da Universidade de Melbourne.
Prospecção de ferramentas de geotecnologia desenvolvidas por universidades ou instituições governamentais da Austrália para análise do uso do solo e elaboração de cenários foi uma das atividades de Priscila…
Esta é uma rede colaborativa de pesquisadores e provedores de dados, dos setores acadêmico, governamental e privado, que reúne, em um portal online único, mais de 2.600 conjuntos de dados multidisciplinares (como demografia e indicadores sociais, atividade econômica, habitação, infraestrutura, transporte e uso do solo), de aproximadamente 90 fontes.
A rede disponibiliza um conjunto de ferramentas adicionais open source, abrangendo modelagem, planejamento e visualização espacial e estatística. “A iniciativa simplifica as interações entre os profissionais e atende à crescente demanda por acesso de código aberto, assim como as tomadas de decisões baseada em evidências”, afirma Priscila. O grupo desenvolve diversas ferramentas para o planejamento territorial, como o What if Planning Support System e o Envision Scenario Planning Tool.
O primeiro é um sistema de suporte ao planejamento de código-fonte aberto, baseado em dados de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) existentes para apoiar a análise da adequação da terra para diferentes usos, projetar demandas futuras e alocar as solicitações projetadas para os locais mais apropriados; o segundo é um conjunto de ferramentas de planejamento e avaliação de esboços de cenário 3D com base na web para projetos urbanos. O Envision é empregado para investigar o uso do solo e a visualização sobre as futuras demandas de energia e de água, transporte, custo de construção e operação, entre outros, associadas a um determinado cenário.
Outra Instituição de destaque na Austrália é o Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), o órgão nacional para pesquisa científica que fornece informações e tecnologias ao governo e às indústrias para proteção, restauro e gestão de ambientes naturais e construídos. Diversos modelos já foram desenvolvidos pela instituição e Priscila teve a oportunidade de ter contato com o Landscape Futures Analysis Tool (LFAT) e o Land Use Trade-Offs (LUTO).
O LFAT foi concebido em parceria com a Universidade de Adelaide com o objetivo de elaborar cenários de uso da terra a partir de combinações de clima, preços de commodities, custos de produção e preços de carbono; já o segundo, o LUTO, é um modelo ambiental e econômico integrado que estima futuros contratos de uso de terras australianos em diversos cenários alternativos de mudanças políticas e globais.
…mas ela também teve contato com o Google Earth Engine (GGE), plataforma de processamento geoespacial baseada em nuvem.
O software utiliza um mapa de uso da terra agrícola como linha de base e combina dados ambientais e econômicos para identificar possíveis mudanças no uso da terra e o fornecimento correspondente de serviços ecossistêmicos, como sequestro de carbono.
Priscila teve contato, também, com o Google Earth Engine (GGE), uma plataforma de processamento geoespacial baseada em nuvem que foi desenvolvida, a princípio, para análises de dados ambientais em escala planetária, mas com exemplos recentes de aplicações em escalas macrorregionais. “A grande vantagem do GGE é a facilidade na manipulação, edição e criação de dados”, afirma ela. Por meio de diversas ferramentas de manipulação espacial, é possível elaborar mapas de tendências e quantificar diferenças sobre a superfície da Terra, incluindo desmatamento, seca, gerenciamento de água, monitoramento climático e proteção ambiental.
A aplicabilidade das ferramentas no laboratório do IPT dependerá da licença do software (com exceção do GGE, a única aberta), da disponibilidade e qualidade das informações e também da escala de aplicação. “É importante a questão dos dados de entrada para rodar um modelo e alcançar um resultado que seja aplicável na escala”, ressalta a pesquisadora. “Quando fiz uma apresentação dos trabalhos executados no IPT, mencionei que o nosso laboratório tinha essa abordagem mais regional, ou seja, a equipe trabalha principalmente em bacias hidrográficas ou em municípios inteiros. Existe uma diferença quando se trabalha em uma realidade mais local porque são dados primários que o pesquisador precisa coletar para alimentar o sistema”.
PROJETOS E EVENTOS – Além do conhecimento sobre as ferramentas para a elaboração de cenários, o treinamento foi delineado para interação com os serviços de pesquisa inovadora do ICBLU e ampliar as perspectivas de atendimento do IPT às demandas do governo e da indústria. Nessa linha, as atividades consistiram na familiarização com os projetos em andamento, participação de reuniões técnicas e contribuição com a elaboração de propostas.
Uma das atividades de Priscila foi acompanhar o plano de pesquisa desenvolvido pela universidade em parceria com a Secretaria Regional das Ilhas do Pacífico para fornecer soluções cooperativas e sustentáveis aos desafios enfrentados pela população da região, com foco em áreas ambientalmente críticas e prioritárias. O programa tem como linhas de atuação a resiliência às mudanças climáticas; a gestão dos ecossistemas e biodiversidade; resíduos (poluição e controle) e governança.
Priscila também acompanhou a elaboração de proposta na Ilha Norfolk, localizada entre a Austrália, Nova Zelândia e a Nova Caledónia, focada na dinâmica econômica, social e de uso da terra na ilha e as oportunidades de crescimento econômico sustentável, em parceria com o Consórcio de Pesquisa sobre Transições de Infraestrutura da Universidade de Oxford. “O projeto parte do conceito de economia verde e busca determinar as prioridades para o desenvolvimento de um sistema alimentar sustentável, assim como o empreendedorismo na ilha”, completa ela.
PÚBLICO E PRIVADO – Segundo Priscila, os projetos na Austrália para uso de ferramentas de geotecnologia têm demandas tanto do setor público quanto do privado. A Universidade de Newcastle está localizada no Hunter Valley, uma das maiores regiões produtoras de carvão da Austrália com mais de 50 minas de corte aberto e subterrâneas, e são justamente as mineradoras as principais responsáveis pelos investimentos em pesquisas, muitas delas em parceria com investimentos do setor público. “Estes projetos estão na linha de planejamento e prevenção. A ideia atual é que a região se transforme e passe de uma matriz ‘suja’ a uma matriz ‘limpa’, até por conta das exigências mundiais”, completa Priscila.
Os conhecimentos poderão ser aplicados no setor público, no qual se concentra a maior parte das demandas do laboratório, mas também no setor privado. “Temos uma legislação ambiental forte e por isso as ferramentas têm aplicabilidade tanto na área de planejamento territorial quanto na linha de avaliação de impactos e recursos hídricos. É importante simular o que pode acontecer durante e após a construção ou expansão de determinado empreendimento ou zoneamento, conhecer os impactos e auxiliar na gestão dos problemas”, completa ela.
Ao mesmo tempo em que permitiu amadurecer os conhecimentos técnicos e explorar novas tecnologias e ferramentas para as linhas de atuação do laboratório, o PDCE trouxe à pesquisadora a oportunidade de conhecer pessoas de todo o mundo, vivenciar culturas e costumes e estabelecer laços com especialistas de outros países: “É uma experiência que capacita e estimula o pesquisador a sempre buscar crescimento técnico e novas possibilidades de trabalho”, finaliza ela.