Episódios de escorregamentos rasos são frequentes em ambientes montanhosos como a Serra do Mar, localizada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A ocorrência deste tipo de movimento de massa se dá por um conjunto de condições morfológicas, geológicas e climáticas, mas quais deles são mais significativos a esses eventos quase sempre associados a desastres naturais? Para responder à pergunta, a geógrafa Helen Cristina Dias fez um estudo sobre modelagem de suscetibilidade a escorregamentos com base em análises estatísticas e acaba de defender a sua dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
A metodologia utilizada por Helen considerou a avaliação da suscetibilidade a movimentos de massas de base estatística, empregada pela primeira vez em um estudo no Brasil e comum em países da Europa, como Portugal. A ferramenta é baseada na aplicação do método do Valor Informativo: esse tipo de análise é geralmente usado na identificação de um padrão de condições morfológicas ou geológicas para a ocorrência de escorregamentos. “É um método que auxilia na identificação de áreas com diferentes graus de suscetibilidade ao processo, sendo eficaz em ambientes com grandes variações nas classes. Isso permite uma maior compreensão dos fenômenos”, explica ela.
O objetivo do estudo, que teve início em 2016, era auxiliar a definir a suscetibilidade de municípios a eventos de grande magnitude. Os escorregamentos têm como característica produzir cicatrizes de geometria definida, formada por uma cabeceira (onde se inicia o escorregamento), corpo (ao longo da faixa afetada pela remoção e transporte de material) e base (onde se deposita o material transportado).
Como estudo de caso, Helen escolheu a cidade de Caraguatatuba, no litoral norte paulista. O município sofreu, no ano de 1967, um dos maiores desastres naturais do Brasil e foi alvo de um mapeamento das áreas atingidas, que é um dos pré-requisitos para aplicar a metodologia – cerca de 500 pessoas morreram por conta dos deslizamentos naquele ano, e foram relacionadas 640 cicatrizes em estudo do geólogo Vicente José Fúlfaro, feito em 1976. “Escolhi uma área com uma significativa quantidade de escorregamentos e uma grande variabilidade de rochas”, afirma ela.
A orientação da dissertação de mestrado ficou a cargo da professora Bianca Carvalho Vieira, da USP, e a coorientação foi feita pelo pesquisador Marcelo Fischer Gramani, da Seção de Investigações, Riscos e Desastres Naturais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), dentro do Programa Novos Talentos da instituição.
MORFOLOGIA E GEOLOGIA – “Defini como parâmetros morfológicos a curvatura, a elevação, o aspecto e o ângulo de encosta, e também os geológicos, que são a litologia [estudo em rochas e suas propriedades ou composição] e o controle estrutural. A partir daí, apliquei a estatística para saber qual parâmetro exercia uma maior influência na ocorrência dos processos de escorregamentos”, explica Helen, lembrando ainda que contou com a colaboração do professor Carlos Bateira, do Departamento de Geografia da Universidade do Porto (Portugal), no trabalho, que aplica a metodologia principalmente em seus estudos de escorregamentos em áreas de vinhas.
Foram criados quatro cenários no estudo, com variações no número de parâmetros: o primeiro foi feito a partir dos seis fatores condicionantes (elevação, ângulo de encosta, curvatura, aspecto, litologia e densidade de lineamentos estruturais); o segundo levou em conta cinco (ângulo de encosta, curvatura, aspecto, litologia e densidade de lineamentos estruturais) e o terceiro também cinco (elevação, curvatura, aspecto, litologia e densidade de lineamentos estruturais). Para o quarto cenário, Helen considerou somente três deles: elevação, ângulo de encosta e litologia.
“A princípio, a suspeita era de que havia uma ligação direta entre as áreas com elevação que seriam as mesmas áreas com ângulo de encosta elevado. Foram montados então dois cenários: um sem elevação, e outro sem o ângulo, para ver se esta relação existia, mas a resposta foi negativa”, explica ela. “O principal resultado apontou a litologia como o parâmetro mais influente à ocorrência dos escorregamentos, em uma área em que predominam os quartzitos. E, para criar um cenário de mapeamento, não foi preciso lançar mão de tantos parâmetros, porque a opção com apenas três deles – definidos por análise estatística como os mais relevantes – apresentou o melhor resultado”.
O exemplo seguinte auxilia a compreensão das conclusões de Helen, indicando que o quadro com a menor quantidade de parâmetros conseguiu setorizar de maneira mais clara as diversas áreas dos morros: em vez de apontar toda uma área como de suscetibilidade muito alta, como aconteceu na opção com cinco parâmetros, a opção com apenas três deles fez uma divisão em setores nas categorias alta, mediana e baixa. “A impressão inicial era de que, quanto mais parâmetros fossem incluídos no estudo, mais completo o levantamento ficaria, mas isso não se comprovou no final”, afirma ela.
“Existe a tendência de usar diversos condicionantes, mas muitos deles nem sempre estão bem cartografados e definidos. Esta conclusão do trabalho foi importante porque, para o tipo de escorregamento estudado, somente três deles foram suficientes para o levantamento – e também foi interessante aplicar uma metodologia difundida em Portugal e testá-la em outra área geomorfológica”, completa Gramani. “A princípio, na Geologia, o quartzito não deveria apresentar maiores riscos à geração de escorregamentos, mas o trabalho da Helen indicou que boa parte dos movimentos de massa ocorreu neste tipo litológico. Foi o primeiro trabalho no Brasil a partir desta metodologia, com um grande potencial para novas aplicações”.