Compósitos na medicina

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Dois milhões e trezentas mil órteses e próteses foram utilizadas em procedimentos cirúrgicos no ano de 2017 pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com o aporte de R$ 1,25 bilhão de recursos federais, segundo dados do Ministério da Saúde. Por ano, o mercado nacional de dispositivos médicos implantáveis movimenta cerca de R$ 4 bilhões – considerando todo o mercado nacional de órteses e próteses, o valor chega a mais de R$ 20 bilhões/ano.

Fabricadas desde em materiais poliméricos, como o PVC, até metálicos, como o titânio, as órteses e as próteses são cada vez mais objeto de estudo para o emprego de novos materiais em sua fabricação, a fim de melhorar seu desempenho mecânico e reduzir seu peso, garantindo melhores condições de vida aos pacientes implantados. Os compósitos estão entre os mais recentes materiais considerados para a sua fabricação e um estudo, executado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em coparticipação com o IPT, está avaliando a produção desses dispositivos médicos por impressão tridimensional.

Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo ITA, Thiago Assis Dutra escolheu como tema para a sua tese de doutorado o estudo do comportamento mecânico de materiais termoplásticos reforçados com fibra de carbono contínua, fabricados por meio do processo FFF (Fused filament fabrication, ou Fabricação por filamento fundido). Dutra iniciou o doutorado em fevereiro de 2016, sob a orientação do professor Rafael Thiago Luiz Ferreira, e foi aprovado, poucos meses depois, como bolsista do Programa Novos Talentos do IPT, ingressando em novembro do mesmo ano no Núcleo de Estruturas Leves, localizado em São José dos Campos.

Para o projeto preliminar de uma prótese transtibial (que substitui a tíbia e a fíbula, ossos localizados entre a articulação do joelho e acima do pé) feita por material impresso, Dutra optou pelo estudo de uma tecnologia inovadora que é a impressão de material com reforço contínuo, ou seja, a deposição dos filamentos é dada com fibras longas e contínuas: “Em relação à impressão 3D de materiais compósitos, as pesquisas estão mais voltadas atualmente à chamada fibra ‘picada’, ou seja, sem reforços contínuos. Nesse caso, no entanto, as propriedades mecânicas ficam longe de um nível de aplicação que exija grande performance – elas são usadas atualmente, por exemplo, na fabricação de drones”.
Preparação dos corpos de prova foi realizada no IPT, com exceção da manufatura das placas, que foi feita no ITA
Preparação dos corpos de prova foi realizada no IPT, com exceção da manufatura das placas, que foi feita no ITA
Os materiais reforçados com fibras contínuas, por outro lado, permitem um desempenho próximo ao dos materiais empregados pela indústria aeronáutica.

“As fibras contínuas merecem um estudo aprofundado de caracterização do material para saber como é o seu comportamento e, principalmente, os critérios de falhas, um tema pouco estudado nos materiais impressos”, afirma o doutorando. Um dos principais objetivos do projeto é mostrar a possibilidade de imprimir peças para aplicações que demandem alto desempenho e aproveitar uma das grandes vantagens da impressão 3D, que é a flexibilidade das geometrias aliada ao potencial de otimização.

POR QUE A PRÓTESE? – O engenheiro mecânico faz parte do GPMA, o Grupo de Pesquisa em Manufatura Aditiva instalado no Laboratório de Estruturas Aeroespaciais do ITA, que tem por objetivo explorar a tecnologia de impressão 3D via FFF, gerando conhecimento e ampliando aplicações. Quando o grupo começou as discussões de temas de trabalho, os seus membros levantaram a questão de encontrar uma aplicação considerada de responsabilidade para os materiais impressos. “Pensamos em peças para a indústria automotiva ou aeronáutica, mas a infraestrutura disponível – no caso, a impressora 3D instalada no ITA – permitiria somente trabalhar com a fabricação de objetos de dimensões reduzidas”, explica Dutra.

O grupo teve então conhecimento do Programa de Extensão Mao3D, que é coordenado pela professora Maria Elizete Kunkel, docente de Engenharia Biomédica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O projeto é fruto de um convênio entre o Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da universidade e o Centro de Reabilitação Lucy Montoro, ambos em São José dos Campos, e faz parte da Rede Nacional de Núcleos de Pesquisa em Tecnologia Assistiva. “Esse programa está focado no fornecimento a crianças de próteses de membros superiores, que demandam menos esforços. Colocamos a proposta de explorar novos materiais e aplicações e levantamos a questão de desenvolver um trabalho dedicado aos membros inferiores”, completa ele.

Em próteses para os membros inferiores, explica Dutra, a complexidade aumenta por conta dos carregamentos estáticos e dinâmicos aos quais o componente estará submetido, o que requer materiais de bom desempenho. Ao considerarem para objeto de estudo as opções de próteses mais comuns – a já mencionada transtibial e as transfemural (usada por pacientes com amputação entre o quadril e a desarticulação de joelho) – os membros do grupo optaram pela primeira por conta das restrições das dimensões na impressora disponível no ITA.

Dutra incluiu a prótese transtibial como parte do estudo do doutorado e deu início ao projeto realizando os primeiros trabalhos de caracterização experimental, que consistiu no levantamento das propriedades mecânicas nas direções principais do material.

Quando se trabalha com lâminas finas de compósitos unidirecionais reforçados com fibra de alta rigidez, explica ele, as propriedades resultantes dependem da direção de laminação: neste caso, o material é denominado ortotrópico, pois as suas propriedades mecânicas são simétricas em relação a três planos mutuamente ortogonais – “em outras palavras, é preciso avaliar as propriedades em todas as direções principais para conhecer o comportamento do componente quando ele é construído”, completa ele.

Pouco tempo depois, em novembro de 2016, Dutra passou a contar com o suporte disponível do Núcleo de Estruturas Leves após a aprovação de sua proposta no Programa Novos Talentos. “O IPT ofereceu a infraestrutura laboratorial para eu fazer a caracterização destes materiais. Toda a preparação dos corpos de prova foi realizada no IPT, com exceção da manufatura das placas, que ocorreu no ITA. Foi preciso fazer o corte correto das placas e sua inspeção, assim como a colagem dos tabs, que são as placas adicionais coladas nas extremidades dos corpos de provas para permitir a fixação nas garras e executar os ensaios. A avaliação deste material foi então feita no IPT”. Após o término da validação dos resultados experimentais, o doutorando partiu para a etapa seguinte – atualmente em curso – da construção de modelos numéricos.

Por conta do tempo disponível e, principalmente, da forte regulamentação brasileira em relação à comercialização de próteses, Dutra explica que não será construída uma prótese, mas um protótipo preliminar que deverá ser ensaiado para avaliar os carregamentos presentes no dia a dia dos pacientes: “O importante é construir a estrutura primária que vai representar a estrutura do osso; a ideia é que ela ‘desempenhe’ o papel do osso para que seja possível avaliar os carregamentos e permitir à pessoa fazer a sua pisada”. Testes em pessoas não estão no escopo do estudo.

Uma apresentação sobre o projeto foi realizada em 2016 no I Workshop de Impressão 3D GPMA/CCM/ITA e um artigo foi apresentado no Cobem (ABCM International Congress of Mechanical Engineering) em 2017. Além disso, um artigo foi submetido este ano para revisão em revista. A previsão de defesa da tese de doutorado é para o segundo semestre de 2019.

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